quarta-feira, 29 de maio de 2019

DOMINGOS JORGE VELHO 1 - A Conquista do Piauí

Publicado em 13.03.2019
Domingos Jorge Velho e seu Ajudante de Ordens Antonio Fernandes de Abreu - Quadro de Benedito Calixto
O DESCOBRIMENTO DO PIAUÍ - e a evidente porém contestada autoria de Domingos Jorge Velho — Documentos insofismáveis em favor do Bandeirante Paulista de Santana de Parnaíba SP — Controvérsia desmascarada e autoria restaurada.

Divergências quanto à data do princípio da sua Colonização
Certos historiadores transferem a data original deste importante descobrimento para uma outra posterior "de 1670"(?!), como sendo a do início da colonização daquela grande região nortista, cujo primeiro desbravamento na realidade se deu em 1662 pelo arrojo e primazia do grande bandeirante paulista, Coronel Domingos Jorge Velho! Sobre a conquista desta vasta região setentrional do Brasil, escreveu Pereira da Costa uma serie de belas páginas em sua Chronologia Histórica do Estado do Piauhy (consta de nosso BD). Vamos acompanhar o douto pernambucano cujas palavras tanta fé nos conferem:   
"Terras pertencentes á donataria de Antonio Cardoso de Barros, nada se fez pela sua colonização no primeiro século decorrido após a posse cabralina e a primeira metade da centúria seguinte"...

"Cardoso de Barros visitou-lhes o litoral em 1535 e Nicolau de Rezende em 1571", conta-nos também Abdias Neves (Aspectos do Piauhy, p. 13).
Os mais Antigos cronistas da Nossa História narram primitivas e efêmeras incursões nesse território semi-desértico.
A mais remota noticia que há sobre elas, é a de Gabriel Soares de Souza, em seu Tratado Descriptivo do Brazil de 1587 (consta de nosso BD)  quando se refere ao "Rio Grande dos tapuias", o atual Parnaíba (em homenagem a Santana de Parnaíba SP) a que Diogo de Campos Moreno chamou "Pará" em 1614, Bento Maciel Parente "Paroaçú" em 1626; Fr. Vicente do Salvador "Puinaré" (idem, em nosso BD) e o Padre Antonio Vieira "Paraguaçú", mesmo nome que lhes dá a carta regia de 10 de Dezembro de 1677 "Primeiros Devassadores do Piauhy" e também se encontra nos mapas seiscentistas como os das obras de Barlaeus e Fr. Giuseppe di Santa Teresa, carmelita português. Diz ainda Cândido Mendes de Almeida que o Parnaiba foi também chamado "Rio das Garças". Em 1603 pisa em terras piauienses Pero Coelho, o patriarca malogrado da colonização cearense; em 20 de Março de 1607 perece em terras do Piauí o Padre Francisco Pinto em visita de 1613 de Martins Soares Moreno ao litoral do Piauí e as barras do Parnaíba; faz paz com os índios Tremembés inimigos inveterados e prossegue na sua viagem de sindicância sobre a então recente ocupação francesa do Maranhão.

O Maranhão ocupado pelos franceses, logo desalojados.

Em 1614 estabelecem-se postos avançados na Tutóia (Ototoy), em operações contra os franceses; em 1616 uma expedição maranhense corta o Piauí chegando a Pernambuco, após cinco meses de penosa jornada; em 1626 é ainda o Piauí atravessado pela bandeira de Fr. Christovam Severim, franciscano que gasta quase quarenta dias do Maranhão a Fortaleza onde é agasalhado por Martins Soares Moreno. Tencionava o prelado ir a Pernambuco mas precisou desistir do intento, rumando então para o litoral hoje cearense. Em 1641 supõe-se que o Piauí haja sido percorrido também pela expedição holandesa de Elias Herckman, em busca de minas de ouro. Data outrossim, de 1656 a viagem de André Vidal de Negreiros, do Maranhão a Pernambuco, por terra, com grande séquito de soldados e índios através da Serra de Ibiapaba. Já nesta época, diz Pereira da Costa: 
“era fácil e seguro o caminho por terra do Maranhão ao Ceará graças á pacificação dos índios e pelos esforços dos jesuítas”.

Canyon do Rio Poty na Serra de Ibiapaba - Piauí-Ceará.
Inscrições rupestres - seriam fenícias ou quê?


Canyon do Rio Poty em Ibiapaba - Piauí-Ceará
Em 1661 a Companhia de Jesus começou com enorme afano a incrementar suas missões, empregando trinta sacerdotes em missões que se estendiam do Ceará às margens do Amazonas, e “possuindo imensa gentilidade e cerca de quarenta igrejas as quais acudiam com grande trabalho”. Entende o erudito autor pernambucano que o Piauí haja sido semi-explorado nessa época pelos missionários que nele estabeleceram, possivelmente, algumas aldeias;
"No ano seguinte de 1662, ou no imediato começaram as excursões sertanejas do Piauhy pelo ousado Bandeirante Paulista Domingos Jorge Velho, de distinta família da colonia”.

Esta narrativa do fato deixou Pereira da Costa impertinente e incomodado, buscando contraria-la, negando por algum tempo aos paulistas a prioridade da colonização piauiense. Ainda sobre a questão, Anísio Brito também confirma, porém   apenas como possibilidade em seu Diccionario Histórico Geographico e Etnographico do Brasil, 2, 353:
“O Piauhy foi descoberto em 1662. A prioridade histórica do seu descobrimento não se sabe, talvez, ainda, a quem possa caber, que são obscuros os dados que nos deixaram os primeiros chronistas do Brasil maximé relativamente ao recanto do Nordeste que constitue o território piauhyense".
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Os Povoadores Pioneiros 1-Jorge Velho e 2-Mafrense "Sertão", companheiros na Expansão do Piauí.
Tradicionalmente se atribui a dois vultos a honra do insigne feito deste descobrimento: primeiramente a Domingos Jorge Velho, que posteriormente seria o herói na derrota da “Tróia Negra” (Palmares), na expressão de Oliveira Martins, e secundariamente a Domingos Afonso Mafrense "Sertão", rendeiro da célebre e poderosa Casa da Torre de Portugal, e grande representante dela na Bahia, como criador de gado. Bem divergentes são os agentes determinantes da incursão destes sertanistas no Piauí, onde circunstancias fortuitas fizeram com que se deparassem em pleno sertão, aquém da Serra dos Dois Irmãos, em terras piauienses. Se mesmo de relance estudarmos as causas determinantes da penetração de Jorge Velho e Domingos Afonso em território piauiense, chegaremos logo à óbvia conclusão de que a prioridade histórica do descobrimento do Piauí cabe ao paulista Domingos Jorge, que já estava ali havia mais de década! Efetivamente, a sua expedição bandeirante é prolongamento do grande movimento Bandeirante Paulista, que se estendeu durante o século XVII, (implantado por D. Francisco de Souza em 1601), após o período das invasões neerlandezas; enquanto que a incursão de Domingos Mafrense, ao contrário, estava ligada a um outro grande movimento de interiorização por criadores de gado nordestinos, ocorrido em data posterior.
Os Bandeirantes Paulistas desbravavam os Sertões, neutralizando os aborígenes beligerantes e convencendo outros mais submissos, liberando assim territórios que depois seriam ocupados pelos criadores de gado nordestinos. Foi o caso do Piauí (além dos sertões da Bahia, Pernambuco e Maranhão). Quando Domingos Sertão chegou da Bahia, já encontrou o "terreno aplainado" havia doze anos(!) pelo paulista Domingos Jorge Velho.
Os Bandeirantes [desbravavam] os sertões que depois os criadores [ocupavam]. Também no Sul; como a orla marítima não comportava mais as populações, elas avançavam furiosas varando sertões, conquistando-os aos selvagens, a principio com ardis, depois a ferro e fogo, arrebanhando-os ao trabalho* da lavoura!
*("com o suor do seu rosto ganharás o teu pão" - os índios não estavam isentos deste mandamento divino; tinham de trabalhar para o propósito de expansão da Civilização Cristã no Brasil).
À medida em que os Bandeirantes Paulistas iam descobrindo e limpando vastos territórios, os criadores iam chegando com seus rebanhos, e a civilização avançando para o seu destino inexorável, como hoje ainda o constatamos.
Marcha Para os Sertões Desconhecidos - A expansão do povoamento.
Impossível descrever a ânsia e ousadia dos Bandeirantes Paulistas, que percorreram incansáveis, quase toda a terra de Santa Cruz, desde a segunda metade do século XVII, até a primeira do século XVIII. Célere voava a fama das riquezas imensas que jaziam nos sertões, exageradas pela imaginação dos aventureiros que ora seguindo o curso dos rios, ora as matas virgens, se lançavam afrontando todos os riscos à procura dos metais e pedras preciosas. Ecoando na corte lusa as notícias de riquezas minerais nos sertões brasileiros, o rei Afonso VI se animou a baixar a 27 de Setembro de 1667, uma carta aos destemidos paulistas, reincitando-os à uma 2ª fase de exploração territorial em busca daquelas riquezas. A carta do monarca conseguiu produzir o desejado efeito: organizaram-se logo diversas bandeiras exploradoras! Em 1672, Paschoal Paes de Araújo chegou ao Piauí, de onde seguiu depois ao Rio Tocantins, descobrindo ali imensas jazidas. A morte porém o surpreendeu, permanecendo ignoradas as suas descobertas. No Norte, diz Rocha Pombo, se pode considerar o Rio de São Francisco como o eixo de toda a viação para o interior. O Piauí oferece uma exceção única dentre os Estados do Brasil, relativa à sua forma de colonização - ao passo que em todo o país esta se fez do litoral para o centro - nele inverteu-se, do centro para a periferia! Segundo diz Rocha Pitta (acertando ao menos uma vez na vida!), quando Domingos Sertão Mafrense penetrou os sertões piauienses, já encontrou lá o sertanista Domingos Jorge Velho. Eis o que diz:
“Naquele tempo se ampliou mais a extensão das terras, que havíamos penetrado nos sertões de nossa América; porque no anno de 1671(?!) descobriram os sitios de Piagui, grandíssima porção de terra, que está em altura de 10º do Norte além do Rio S. Francisco para a parte de Pernambuco, no continente daquella Provincia, e não mui distante a do Maranhão. Tomou o nome de um rio, que de pobre o não devia ter para dar, pois corre só havendo chuva, e no verão fica cortado em vários poços.”
Mapa do Assentamento de Oeiras, primeira povoação do Piauí, primitiva "Vila da Mocha", antes ainda "Fazenda Cabrobó". (não confundir com outra aldeia de Pernambuco)
O Pecuarista Domingos Mafrense "Sertão" da Bahia, encontra Domingos Jorge, já estabelecido no Piauí.
Um dos primeiros que penetraram aquele território após Domingos Jorge - continua o mesmo historiador -, foi seu chará capitão Domingos Afonso Mafrense "Sertão", apelido que tomou para si em agradecimento às riquezas que lhe deram os sertões do Brasil, passando duma  pequena fortuna que tivera na Bahia, para a glória dos grandes potentados barões do gado! Possuía já uma fazenda de criação, chamada O Salobro, na outra parte do Rio de S. Francisco, distrito de Pernambuco, na entrada da travessia que vai para o Piaguí (Piauí, "Rio dos Piaus") e mandando dali batedores para investigar e penetrar a terra piauiense, eles retornaram com notícias auspiciosas para as penetrações que pretendia realizar, resolução esta que veio a concretizar com o valor e empenho, partilhando a sua empresa com alguns
 
associados que pôde reunir, todos homens alentados, destros e práticos na peleja contra os ferozes bárbaros canibais. Entrou por aquelas terras até então não penetradas pelos portugueses e só habitadas por esses gentios com os quais manteve muitas batalhas, saindo de uma delas, aliás, perigosamente ferido; mas de todas foi vencedor, fazendo bater em retirada os posteriores inimigos para o interior do sertão!
Foi numa destas suas incursões que se encontrou cara a cara com o lendário Domingos Jorge Velho, o chefe paulista, poderoso em arcos (exército indígena treinado) que, desejando novas conquistas, saíra de Santana de Parnaíba sua pátria, em S. Paulo, com numeroso batalhão de gentios domésticos visando descobrir as misteriosas terras ainda não penetradas do Norte e atravessando várias topografias desfavoráveis,
“chegara a aquela parte pouco tempo antes que o capitão Domingos Afonso a entrasse; encontrando-se e dando mutuas informações do que haviam feito até então, ajuntando-se nas futuras incursões, repartindo entre si as diferentes regiões cada um conquistando sua parte daquele imenso território selvagem”.
Desenho primitivo, sem perspectiva, quase naif, de Oeiras do Piauí, conquistado por Domingos Jorge Velho em 1662.
Outros autores que incorreram no mesmo erro de datação e autoria histórica, por não consultarem fontes primárias ou baseados em documentos descontextualizados.
Fixada assim a data verdadeira do descobrimento do Piauí, o autor da Historia da America Portuguesa em 1671 (o nebuloso Pitta) confirma a correta prioridade do descobrimento ao intrépido e audaz Bandeirante Paulista Domingos Jorge Velho, fato que foi sempre e invariavelmente aceito por todos os cronistas nacionais e estrangeiros confiáveis. Ao contrário, Anísio de Brito faz citações dos conceitos dúbios de Abreu de Lima e Milliet de Saint Adolphe; mas o primeiro não tem valor algum (!) e Saint Adolphe repete Rocha Pitta(!); idem Southey e Ayres do Casal. Alencastre por sua vez, em sua Memória Chronologica Histórica e Geographica da Provincia do Piauhy (Rev. do Inst. G. Bras.), firma erroneamente a data do descobrimento do Piauí em 1674 (?!), negando assim a Domingos Jorge Velho a prioridade do descobrimento. Chegando ao extremo de afirmar que Domingos Jorge Velho "jamais esteve em território piauiense"(!!!), assim temerariamente se expressando:
“Não sabemos o fundamento com que attribuem os historiadores ao paulista Domingos Jorge Velho as honras da descoberta do Piauhy; e sendo verdade, como é, que o indivíduo por nome Domingos Jorge que um importante papel representou nas coisas do Piauhy era sobrinho (na realidade, um homônimo) de Julio Afonso, é justo que duvidemos do paulista Domingos Jorge(?!), e lhe neguemos as honras de descobridor. O indivíduo deste nome, que um importante papel representou na conquista do Piauhy, não era paulista (?), mas não duvidamos que fosse aquelle mestre do campo de um terço de Paulistas, que residia no sertão da Bahia, que por ordem de D. João de Lencastro, e a pedido do capitão Antonio de Mello, marchou da Bahia para a Conquista de Palmares”.
E para reforçar suas palavras, estriba-se incrédulo e tergiversador, numa coleção de outras supostas autoridades - figuras sem valor historiográfico, pois não realizaram pesquisas fundamentadas em fontes primárias; são papagaios repetidores como Ayres do Casal e Ferdinand Denis, ou não têm a mínima autoridade aos exemplos de Constâncio, Warden e Fortia (!). A tal respeito comenta Anísio Brito com toda a razão histórico-genealógica:
“Há indubitavelmente, duas individualidades (homônimos) daquele mesmo nome (Domingos Jorge), mas, daí a se afirmar que o destemido Bandeirante paulista, "nem mesmo esteve no Piauhy", é falsear completamente a verdade histórica" (ou, desonestidade intelectual).
Também Alencastre baseia-se (para chegar à conclusão semelhante), em uma certidão do Conselho Ultramarino, datada de 17 de Setembro de 1745(!), sobre concessões de sesmarias. O referido documento trata apenas de um indivíduo sobrinho de Julião Afonso (que era irmão e companheiro de Domingos Mafrense), que tem, como já expusemos acima, o mesmo nome do capitão bandeirante paulista, homônimo portanto. Argumenta Alencastre também com verdadeiro disparate, se apoiando numa decisão do Conselho Ultramarino datada de 17 de Setembro de 1745, sobre concessões de sesmarias. Por este documento (que dista nada menos de longos 74 anos da data da conquista inicial do Piauí - isto assinalado pelo próprio Alencastre!), por este documento, 
"certo Domingos Jorge (outro) declara-se herdeiro do seu tio Julião Afonso "Serra", um dos quatro descobridores daquele sertão".
A tal propósito repara Anísio Brito com lúcido critério:
“O autor da Memória Chronologica da Provincia do Piauhy, em apoio de suas ideias, invoca apenas o documento que acima transcrevemos, importante certamente, mas para provar que há, como já dissemos, duas individualidades com igual nome, Domingos Jorge bandeirante paulista e um outro (homônimo) sobrinho de Julião Afonso Serra, irmão de Domingos Mafrense. Ademais, o documento acima diz apenas, que Julião Afonso Serra foi “um dos quatro descobridores daquele sertão”, onde se encravava a então Villa da Mocha. [Porventura, o sertão de que trata o referido documento, é o Piauí (primitivo)?* Não, pela simples leitura se conclui que o documento se refere às dez léguas das terras que foram repartidas entre as quarenta sesmarias conferidas aos povoadores das terras onde depois se fundou a Aldeia de Cabrobó"]**
*Sim, a Villa da Mocha (atual Oeiras) situava-se dentro do Piauí primitivo, conferimos na Internet, onde comentaristas nativos o confirmam.
**Aqui parece ter o autor daquela época, feito uma confusão, devido à uma duplicidade de nomes, pois a Villa da Mocha surgiu realmente de "uma  antiga fazenda chamada Cabrobó". Em Pernambuco existiu de fato outra Aldeia, hoje município, de idêntico nome. Uma homonímia, portanto.
Estranha este autor Anísio Brito, piauiense nato, que Rocha Pombo e João Ribeiro tenham dado a prioridade da descoberta a Mafrense(?!), a despeito da evidente documentação oficial em contrário! Mais estranhável ainda, que em geral se firmem (no geralmente impreciso e fantasioso) Rocha Pitta e em Saint Adolphe. Assim conclue:
“Em que pese porém à autoridade consagrada dos mestres conspícuos (evidentes) de nossa Historia pátria, aos quaes devemos, todo o respeito, o primeiro descobridor dos sertões piauhyenses foi o denodado paulista Domingos Jorge Velho, cuja figura, á proporção que a Historia do Nordeste vae sendo estudada, toma maior vulto, ante a obra immensa do desbravamento de enormes trechos dos sertões do Norte".
Outro Historiador faz importante reparo aos anteriores
No tocante ao Piauí ainda, um documento de alta relevância publicado então recentemente pelo ilustre historiógrafo F. A., esmiuçada a questão de precedência do descobrimento, invariável e erroneamente atribuída ao secundário Domingos Afonso Mafrense. O documento é uma carta de sesmaria do governador de Pernambuco, Francisco de Castro Moraes, datada de 3 de Janeiro de 1705, concedendo terras piauienses às margens dos rios Poti e Parnahyba, à viúva D. Jeronyma Cardim Fróes,
“viúva do mestre de campo Domingos Jorge Velho (paulista), e a alguns oficiais do terço que o mesmo organizava e ali permanecia, os quais no requerimento que dirigiram ao mesmo governador declararam que Domingos Jorge Velho marchou do Piauí para a guerra dos Palmares em 1687, com a sua gente, deixando todas as fazendas e lavouras situadas nas margens dos rios Poti e Parnahyba, onde tiveram seus domínios cerca de vinte e quatro ou 25 annos“.
Encontro dos rios Poti ou Potingh (dos camarões) e Parnaíba, Terras de Domingos Jorge Velho, herdadas por sua viúva D. Jeronyma Cardim Fróes e firmadas em concessão oficial de sesmaria pelo Governador de Pernambuco, em 1705, e referendada logo a seguir pelo Rei luso, em 1710.
Extensos relatos oficiais e documentados reafirmam a prioridade de Domingos Jorge Velho. Originais abaixo expostos.
Assim, as primeiras incursões do bravo guerreiro paulista nos sertões do Piauí se fixam definitivamente em 1662, cerca de doze anos antes de Mafrense! De uma verdade incontestável e rara porém, são as palavras de Saint Adolphe e Rocha Pitta, de que, quando Mafrense e seus sócios Julião Afonso, Francisco Dias de Ávila e Bernardo Pereira Gago passando a Serra dos Dois Irmãos (divisa), encontraram Domingos Jorge Velho já no Piauí em suas correrias aos selvagens. Como se pode, pois, sem falsear a verdade, atribuir o descobrimento do Piauí a Domingos Sertão? Eis na íntegra, o documento a que se refere Pereira da Costa em sua Chronologia Histórica:
“Francisco de Castro Moraes do Conselho de s. m. — faço saber aos que esta carta de doação de sesmaria virem que D. Jeronyma Cardim Fróes, o sargento-mór Christovam de Mendonça Arraes, governador do terço dos Paulistas da guarnição dos Palmares, por fallecimento do mestre de campo Domingos Jorge Velho -, capitães e mais ofíiciaes do ditõ regimento, me Dizem D. Jeronyma Cardim Fróes, viuva que ficou do mestre de campo Domingos Jorge Velho, o sargento mór Christovam de Mendonça Arraes, os capitães Alexandre Jorge da Cruz, Paschoal Leite de Mendonça, Domingos Rodrigues da Silva, Luiz da Silveira Pimentel, Simão Jorge Velho, João de Mattos, Domingos Luiz do Prado, o ajudante Antonio de Souza, o alferes de mestre de campo Domingos de Mendonça, o sargento Braz Gonçalves, o cabo de esquadra Bonifácio Cubas e João Paes de Mendonça, todos oficiais que eram então e são do terço de infanteria que de gente servente formou o dito Domingos Jorge Velho com o .... Senhor e administrador seu, com o qual elle e os ditos supplicantes nomeados franquearam as habitações e povoações que os brancos tem nelle contra os insultos que os tapuios bravos, quotidianamente intentam e não poucas vezes com graves damnos e irremediáveis provas para o que obrarem melhor, o mestre de campo e subalternos officiaes, tinham erigido para sua morada e habitação o Rio Potingh que quer dizer rio ou agua de camarões e o Rio Parnahyba e . . . . nelles tinham feitos suas povoações com suas habitações, com suas creações, tanto dos vaccuns como cavallares ou ovelhuns, e cabruns, etc., e faziam as suas lavouras, e assim tinham seus domicilios 24 ou 25 annos topando Bandeiras ao gentio bravo por onde as occasiões o pediam defendendo assim .... que o dito gentio intentavam contra as outras povoações dos brancos dando por este meio logar a que entrassem a povoar, mas com effeito entrou a povoar todo o Piauhy e Canindé em companhia da Casa da Torre de Garcia d’Avila e defendendo as fronteiras do Maranhão e ficara até que por parte de s. m. foi o dito Domingos Jorge Velho chamado e requerido do Sr. governador João da Cunha Souto-Mayor antecessor de v. s. de descer com a dita sua gente, e officiaes estando de guerra os negros fugidos e rebellados dos Palmares, que insultavam, invadiam, roubavam, violavam e assassinavam os brancos em todas estas capitanias de Pernambuco como com effeito Domingos Jorge Velho desceu com ao redor de 1.300 arcos de seu gentio e cerca de 80 brancos, que, além dos que nesta petição vam nomeados, e nesta occasião que se lhe aggregaram outros que elle habitou para ....aos ditos soldados gentios, a qual descida foi em o anno de 1687, largando terra, povoações, criações e lavouras sem reparo algum para vir servir a s. m. e com elle e os ditos cabos prestou o Sr. Governador João da Cunha Souto Maior os artigos que s.s. em nome de S. M. ajustou contas com os procuradores e no mez de março do dito anno S. M. que Deus guarde confirmou por Alvará seu, como todo se vê registrado na Secretaria deste Governo . . . nos quaes artigos estão especificadas estas palavras, que as sesmarias que pretendem nos rios dos Camarões, Parnahyba, as prometteu dar o Sr. Governador, assim e da maneira que quizerem, como com effeito logo lhas concedeu o dito sr. governador em nome de S. M. em fé e segurança do que lhe mandou S. S. passar e assignou uma clareza dizendo nella que lha não mandou passar naquella occasião por estar o provedor na fazenda real fora desta praça doente para lhe passar sua carta de sesmaria, e para que constasse sempre do tempo em que lhe concedia, e foi no mesmo anno em que se celebrou e concluiu o dito pacto, que foi a 3 de março de 1687, o qual papel de segurança deixou o dito sargento mór na mão do secretario do conselho director, para prova e fundamento do requerimento que das ditas terras elle fez a sua magestade, este Senhor foi servido conceder-lhes assim e de ordenar V. S. lhes mande passar sua carta de sesmaria com as mesmas clausulas e declarações que se especifica na dita ordem pelo que pedem a V. S. lhes faça mercê mandar-lhes passar a dita de sesmaria desde as nascenças do dito Rio Potingh, ou Camarões, até onde se mette naquelle da Parnahyba, com tres léguas de largura de uma a outra banda delle da sua barra que aquelle da Parnahyba abaixo na mesma largura da barra de cá, declarando-se também na dita carta de lhes não poder prejudicar ou ter ella sido passada agora e não no dito tempo pelas razões que aqui se allegam e por elles terem andado occupados no serviço de S. M. como este Sr. o manda especificar na dita ordem, da qual a copia vae junta até que pelo Parnahyba abaixo topem em terras desprovidas, E. R. Mcê. — O procurador da Corôa me informe sobre o conteúdo nesta petição para lhe deferir. Recife, 20 de dezembro de 1704, — Rubricas.

— Snr. A’ vista das cartas que os supplicantes juntam, parece-me ter lugar o seu requerimento. V. S. lhes deferirá com justiça. Recife, 22 de dezembro de 1704. — Antonio Rodrigues Pereira. E havendo outrosim respeito a que S. M. me recommenda no cap. 15 do Regimento deste governo e ao que respeita no capitulo II das condições que meu antecessor, João da Cunha Souto Maior, concedeu aos supplicantes em nome de S. M. que Deus guarde, no mez de março de 1687, e confirmou em nome do dito Sr., o Sr* Marquez de Monte Bello, em 3 de dezembro de 1691, e ao alvará de S. M. de 12 de março de 1695, e porque declaram as duas ultimas cartas do dito senhor do anno passado de 1703, não ser justo ficarem prejudicados na mercê que lhes concedeu, o deixarem as ditas terras e domicílios para acudirem a seu real serviço, e haver por bem que as gosem desde o dicto tempo em que lhes foram concedidas pelo meu antecessor o sr. João da Cunha Souto Maior no mez de Março de 1687, pelas haverem conquistado, franqueado a habitação e cultura dos brancos para afugentarem os Tapuias seus habitadores, acrescentando quantias consideráveis a prêmios reaes assim pela Repartição desta Procuradoria, como do dicto Estado do Maranhão, e que não sejam preferidos de nenhum sesmeiro que se introduzisse nellas desde o mez de Março de 1687, em que. lhas concedeu o sr. João da Cunha’ Souto Maior, governador que então era destas capitanias. Hei por bem de lhes fazer mercê de dar aos supplicantes acima nomeados como pela presente carta de sesmaria com a mesma antedata do dicto mez de março do anno de 1687, em nome de s. m. que Deus guarde, todas as terras que se acharem desde a nascença do dicto Rio dos Camarões até onde elle se mette no da Parnahyba, com tres léguas de largura de uma e outra banda delle, e de sua barra para aquelle da Parnahyba abaixo na mesma largura da banda de cá seis léguas, com obrigação de pagarem fôro algum mais que o dizimo a Deus pelo privilegio especial que os supplicantes tem para isso de s. m.; e as possuirão e gosarão elles e seus herdeiros, com todas as suas mattas, aguas, campos, testadas, logradoiros e mais uteis que nella se acharem, e serão obrigados a dar pelas dietas terras caminhos livres ao Conselho para fontes, pontes ou pedreiras; pelo que ordeno a todos os ministros da Fazenda e Justiça destas capitanias, a quem o conhecimento desta carta pertencer, lhe façam dar a posse real effectiva e actual na forma costumada e debaixo das clausulas referidas, e das mais da Ordenação, titulo das sesmarias, que por firmeza de tudo lhe mandei passar a presente por mim assignada e sellada com o sinete de minhas armas, a qual se registará nos livros da Secretaria deste governo e nos da Fazenda Real e nus mais a que tocar. Dada neste Recife de Pernambuco, em os tres dias do mez de janeiro. — José de Britto de Meneses a féz. — Anno de mil setecentos e cinco. — O secretario Antonio Barboza de Lima a fiz escrever. — Francisco de Castro Moraes.”

Mapa em posição deitada, com o Norte à direita, monstrando toda a extensão do Piauí, e seus assentamentos povoadores, legados pelos seus descobridores paulistas, a quem o povo piauiense deve seus agradecimentos.
Concessão definitiva de Sesmarias Piauienses como reconhecimento de Serviços Prestados nos Palmares.
Esta sesmaria foi confirmada por carta regia no Natal de 25 de Dezembro de 1710, dirigida ao governador de Pernambuco, Sebastião de Castro e Caldas:
“E porque nella não se observar a ordem passada sobre estas sesmarias, diz o acto regio, pois não se declara quantas léguas de terra se contam desde a fonte do Rio dos Camarões até a entrada que faz no Parnahyba, nem desta para baixo. Me pareceu não deferir a esta confirmação; porém, visto como os supplicantes foram benemeritos pela guerra que fizeram, Hei por bem de lhes permitir que cada um por si peça sesmaria separada dentro da quantidade que permittem as minhas leis; e assim vos ordeno lhas concedaes, sem embargo de ser passado o tempo, segundo as minhas novas ordens para se poder deferir a confirmação de cada um”. 
O Testamento de Mafrense Sertão como prova
Ante este documento, de sumo valor para o restabelecimento da verdade histórica, não haverá mais dúvida de que o paulista Domingos Jorge Velho precedeu ao português radicado na Bahia Domingos Mafrense "Sertão", no descobrimento do Piauí. "A Historia não é intangível", disse Taine. Fatos históricos aceitos pela crítica de uma era, nem sempre encerram a verdade completa, que só tempos depois, á luz de novos documentos encontrados, se pode restabelecer. Vejamos, agora, um outro documento que tem servido de base aos que dão erroneamente a primazia do descobrimento a Domingos Afonso Mafrense: é o seu próprio testamento, lavrado na Bahia, a 12 de maio de 1711; leiamos o tópico em questão
“Declaro que sou senhor e possuidor da metade das terras que pedi no Piauhy com o coronel Francisco Dias d'Avila e seus irmãos, as quaes terras descobri e povoei com grande risco de minha pessoa, e considerável despesa com adjutorio dos socios, e sem elles defendi muitos pleitos, que se me moveram sobre as ditas terras, ou parte delas, etc etc.”.
O quê concluir da leitura das linhas acima, escritas pelo próprio Mafrense? Que era senhor da metade das terras que pediu no Piauí, as quais terras descobriu, isto é, as terras em que se achavam situadas as suas próprias fazendas, por ele povoadas! Impossível chegar-se a outra conclusão, que bem claras e precisas são as próprias palavras de Mafrense, em suas disposições testamentarias. Assim, quer atendamos as causas das incursões no sertão, quer ao testemunho dos cronistas e historiadores, quer ainda aos documentos oficiais indescipicientes para o restabelecimento da verdade histórica, a prioridade de descobrimento do Piauí sempre pertence a Domingos Jorge Velho, realizado em 1662. Parece-nos que o nome do português Domingos Afonso "sertão" se popularizou mais pelas suas exuberantes e faladas fazendas de criação do Piauí, imensa fortuna que ao morrer legou ao Colégio dos Jesuítas na Bahia, depois despejados do Brasil e Portugal pelo Marquês de Pombal. Jorge Velho possuiu primeiramente fazendas no Piauí, mas ao se transferir para Pernambuco em demanda da Guerra dos Palmares, abandonou os vultosos haveres que adquirira na terra que descobrira. Qual o motivo? Saudades da civilização, das gentes, dos costumes? Só Deus sabe. O majestoso Rio Parnaiba, porém, que primitivamente se denominava “Rio Grande dos Tapuias”, segundo Gabriel Soares em seu Tratado Descriptivo do Brasil em 1587, “Pará”, segundo Diogo de Campos, “Paraoaçú”, segundo Bento Maciel Parente, “Punaré”, segundo refere frei Vicente do Salvador na sua Historia da Custodia do Brasil; “Paraguaçú”, segundo o padre Antonio Vieira, recebeu definitivamente o mesmo nome da paulista Vila de Santana de Parnaíba, que foi berço do seu destemido filho paulista: RIO PARNAÍBA! Assim Domingos Jorge se imortaliza, não Mafrense "Sertão".

Confluências dos rios Poty com Parnaíba - note-se como o Parnaíba se alarga a partir daí até o litoral como "Rio Grande".

Basílio de Magalhães dá o toque final, seguindo Também Machado de Oliveira
Assim a primazia paulista no descobrimento do Piauí nos parece indubitavelmente provada desde que Pereira da Costa descobriu o documento insofismável que Anísio Brito e Abdias Neves reputam e com razão, de capital valor elucidante! Segundo conta Machado de Oliveira, em seu Quadro Histórico (o que Basílio de Magalhães repete na sua magnífica Expansão Geographica do Brasil e Heliodoro Pires, também, na Revista do Brasil, n.° 43 de Julho de 1919), que "lutaram os dois caudilhos Mafrense e Domingos Jorge pelas armas e mais tarde se reconciliaram". Não se conhecem as causas da desavença ou mesmo a veracidade deste fato (Heliodoro Pires).

Muito mais ventilada
ainda está a conquista do Piauí, pela obra de Basílio de Magalhães A conquista do Nordeste no Século XVII. (In Revista do Instituto Histórico e Geografico Brasileiro tomo 85, p. 289 et pass - consta em nosso BD) onde o douto brasilólogo aproveita o fruto de ótimas pesquisas então mais recentes, sobretudo as suas próprias, do Archivo Nacional. Fim.
Crônica reeditorada com textos revisados, atualizados, com grafia corrigida e comentários com imagens pelo autor deste blog, do original de Afonso de Taunay, na sua História Geral das Bandeiras Paulistas, vários volumes.
 Continua no próximo capítulo 
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DOMINGOS JORGE VELHO 2 
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Capoeira dos Escravos fugidos dos Palmares
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